Crítica: "A Bruxa" (2016) - Sem Spoilers
- João Vitor Dantas
- 23 de abr. de 2016
- 4 min de leitura

Durante os últimos anos três filmes de terror obtiveram bastante hype pelo público devido ao marketing e comentários da crítica: “Atividade Paranormal” (2007), “Invocação do mal” (2013), e agora o filme vencedor da categoria melhor diretor do festival de Sundance, “A Bruxa”.
O filme conta a história, baseada em relatos reais, de uma família que é expulsa do vilarejo onde vivia devido a interpretação exagerada que o patriarca William (Ralph Ineson) faz da Bíblia e da fé cristã. Somos então apresentados a sua esposa Katherine (Kate Dickie), sua filha mais velha Thomasin (Anya Taylor-Joy), o pré-adolescente Caleb (Harvey Scrimshaw), os gêmeos Mercy e Jonas e o bebê Samuel que passam a morar em uma cabana na beira de uma floresta onde, após uma estiagem e alguns eventos inexplicáveis, a família passa a se degradar.
Temos aqui uma história com uma premissa até um pouco clichê, afinal de contas, quantas vezes nos sentamos em uma poltrona e vemos uma família se mudar para um lugar inóspito onde eventos sobrenaturais começam a se desencadear? Entretanto, graças a um primoroso trabalho de direção “A Bruxa” se esquiva completamente do convencional.
É necessário então salientar. Não é um filme para todo mundo. Certamente irá dividir opiniões. Cinéfilos e críticos provavelmente vão adorar e o público mais casual provavelmente irá se decepcionar. Normalmente, nos filmes de terror, costumamos ver uma série de eventos que progressivamente tendem a se tornar mais expositivos e sanguinários, em “A Bruxa” temos um filme muito mais contido, com uma ótima atmosfera de suspense, mas com o ritmo bem mais lento.
Não, não espere sustos, não espere os famosos jump scares, não espere explicações fáceis nem monstros evidentes ou pessoas entrando em um porão escuro para investigar alguns barulhos, você não vai encontrar isso aqui. Mesmo assim, prestando bastante atenção, o filme recompensa você com algo que pode até não te assustar, mas, certamente, não sairá de sua cabeça durante um tempo.

A direção é do estreante Robert Eggers, que faz um papel excepcional equilibrando a paranoia religiosa com o horror sobrenatural. Você, em alguns momentos, chega até a suspeitar se aquilo tudo está realmente acontecendo ou se não passa da paranoia extremista dos personagens. O diretor utiliza bastante alguns planos longos com a câmera parada que, apesar de deixar o ritmo do filme mais lento, ajudam a criar a atmosfera de horror. Eggers também costuma mostrar apenas o necessário para que você entenda a cena, depois disso ele corta e te deixa pensando sobre o que acabou de ver. Nesse sentido, o terror acaba estando muito mais na cabeça do espectador do que no filme propriamente dito.
A história se passa em 1630, mas, devido ao impecável design de produção e a o figurino exemplar, somos totalmente transportados para esse período tão obscuro na história da humanidade. Aliás, espero desde já, indicações ao Oscar nessas categorias.
A fotografia é mórbida e esfumaçada, e a palheta de cores usa apenas tons mortos, temos marrom, bege, verde musgo, cores que transmitem a falta de esperança, a claustrofobia dos personagens para com a floresta e a falta do calor, do amor e do conforto humano.
A trilha sonora configura, sem sombra de dúvidas, entre as melhores do gênero. É formada por uma mistura de orquestra e instrumentos de cordas que amplificam a sensação de incomodo e medo. A trilha é inquietante, desconfortável e a absolutamente apavorante.
O elenco está muito bem escalado e possui atuações excepcionais. Os atores conseguem passar o terror crescente e o desmoronamento gradual da família. Todos os elementos da família são relevantes e tem o seu espaço para brilhar. Harvey Scrimshaw rouba a cena e constrói muito bem seu personagem, ainda por cima em determinada cena o ator entrega um monólogo que é muito interpretado de maneira impressionante. Assistindo a esta cena eu arregalei os olhos e congelei no sofá.
Contudo, é com Anya Taylor-Joy que o público é guiado para a história. Ela é a consciência do filme; a atriz consegue facilmente passar toda a angustia que sente, toda inocência e, ao mesmo tempo, toda a malícia de sua personagem com o olhar e a suas expressões faciais. Estou ansioso para ver mais trabalhos dela.

Infelizmente, o filme tem alguns problemas significantes. A história não é muito rica, na verdade do minuto inicial ao final, pouca coisa acontece em tela. É raríssimo eu pedir que um filme demorasse um pouco mais, principalmente se tratando de um filme com um ritmo bem lento, mas senti falta de um arco maior entre Thomasin e Caleb, gostaria de ter visto mais da convivência entre os dois e a relação deles com seus pais e irmãos.
Os últimos minutos são, relativamente, decepcionantes. O filme que, caminhava com uma pegada de “O Iluminado”, nos últimos cinco minutos se torna expositivo até demais. Há um momento em que pensei: “Se esse filme acabasse aí, seria perfeito”, mas o diretor decide continuar e abandonar toda ambiguidade construída até então, e partir para exposição dos eventos; isso, infelizmente, encerra o filme com uma nota baixa.
Até isso ocorrer, porém, “A Bruxa” é um filme de terror complexo, e concebido de forma genial. Recomendo.
NOTA: 8.5
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